terça-feira, 19 de abril de 2016

Marinha retira sigilo de relatório sobre análises do Rio Doce

Resultados que detalham os impactos dos rejeitos foram concluídos em janeiro

A Marinha do Brasil retirou o sigilo dos resultados da pesquisa realizada por um dos navios da Corporação sobre o impacto da lama de rejeitos na foz do Rio Doce. O relatório foi concluído em janeiro e há mais de três meses estava classificado como sigiloso.

O navio Vital de Oliveira foi fornecido pela Marinha para investigar os efeitos do rompimento da barragem da Samarco, que ocorreu em Mariana, Minas Gerais. Na expedição estavam pesquisadores e acadêmicos que colheram amostras da água durante os meses de novembro e dezembro.

Em março, o Jornal A GAZETA solicitou informações sobre o resultado da pesquisa, mas os dados foram negados pela Marinha. No último domingo, o jornal publicou informações exclusivas divulgadas pela Rádio CBN revelando o caráter reservado do documento, que limitava o acesso à União. Ao ser solicitado o relatório ao Iema, o órgão voltou a informar nesta segunda-feira (18) que recebeu da Marinha em caráter reservado e que não iria repassar as informações.

A descoberta do sigilo aconteceu após um dos integrantes do Fórum Capixaba de Entidades em Defesa da Bacia do Rio Doce, Edmar Camata, solicitar acesso ao relatório. Como resposta, ele recebeu uma cópia de um Termo de Classificação de Informação da Marinha Brasileira, que colocava a pesquisa em grau de sigilo de cinco anos. “Não nos foi dada nenhuma razão para o sigilo, apenas que os resultados não seriam divulgados. Uma decisão revoltante, já que a sociedade precisa saber os impactos do desastre”, declarou Edmar.

O documento foi assinado no dia 11 de janeiro por representantes da Corporação. Nele, a Marina usa o inciso VI do artigo 25 do Decreto 7724/2012 para fundamentar o sigilo, alegando que a divulgação das informações “prejudica ou causa risco a planos ou operações estratégicos das Forças Armadas”, conforme a lei de grau sigilo. “Soa no mínimo estranho este fundamento da Marinha. Até porque, numa pesquisa como esta, o interesse público vem em primeiro lugar”, comentou o membro da Comissão de Meio Ambiente da OAB-ES, Claudio Ferraz.

Outra crítica feita ao documento divulgado foi a ocultação das razões para a classificação do grau reservado do sigilo. “De nada valem os fundamentos, se não podemos conhecê-los”, ressaltou Ferraz.
A Ordem dos Advogados do Brasil do Espírito Santo (OAB-ES) cogitou entrar com uma ação judicial pedindo a quebra do sigilo. A decisão levantou dúvidas entre os juristas. “O que eles queriam manter escondido mantendo em sigilo este relatório? Neste caso da tragédia de Mariana temos muito mais segredos do que deveríamos. É uma situação que manter sigilo é ilegal. Se precisar, vamos a juízo”, declarou o presidente da Ordem, Homero Mafra.

Após questionada sobre as razões da classificação do sigilo reservado, a Marinha informou, na noite desta segunda-feira (18), que havia retirado o sigilo da pesquisa. Em nota, a Corporação informou que com “o objetivo de ampliar divulgação do relatório técnico juntamente com a análise conclusiva, a Marinha torna o documento ostensivo e retira o sigilo”, finalizou.

Segredo questionado por juristas

Para uma informação ser classificada como sigilosa, a divulgação dela tem que colocar em risco a segurança da sociedade ou do Estado. Porém, pela visão de juristas, não é o caso da pesquisa realizada pela Marinha. “O impacto social e econômico do rompimento das barragens foi brutal, atingiu milhares de pessoas e todos querem saber o que aconteceu, o que a pesquisa revela. Esse relatório afeta diretamente a vida das pessoas e não divulgá-lo é ser irresponsável”, declarou o advogado e professor de Direito Caleb Salomão.

Ao estabelecer o sigilo, a informação fica restrita por um tempo determinado, devido a gravidade da informação. No caso do relatório da Marinha, a classificação foi reservada, que corresponde a um período de cinco anos. Apesar desse tipo de sigilo ser o mais curto, ele é suficiente para agravar a situação do Rio Doce, como destacou o membro da Comissão de Meio Ambiente da OAB-ES, Cláudio Ferraz. “Cinco anos nesse caso é uma eternidade. Daqui a cinco anos a situação estará transformada”, declarou.

Análise 

"Gera problema de transparência"

“O uso desse instrumento, do sigilo, está muito frequente e isso gera um problema de transparência. Eu entendo que este tipo de sigilo imposto pela Marinha é anti-democrático, com um viés autoritário e de proteção de interesses privados. Qual o interesse em manter os dados sigilosos de uma pesquisa como esta? O governo deveria ser o primeiro a questionar isso. Essa posição nos faz pensar sobre uma influência do poder econômico sobre o governo federal. Aparentemente não tem nada que justifique uma decisão de sigilo e que prive a população desta informação”. Caleb Salomão, especialista em direito ambiental e desenvolvimento sustentável

Armazenar peixes está proibido

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) proibiu o armazenamento, a distribuição e a venda de pescado da foz do Rio Doce. A medida está em uma resolução da agência que foi publicada nesta segunda-feira no Diário Oficial da União.

De acordo com o documento está na proibição o pescado “oriundo da atividade pesqueira desenvolvida no mar na região de Barra do Riacho em Aracruz/ES até Degredo/Ipiranguinha em Linhares/ES”.

O presidente da Associação Comercial de Regência, que fica na foz do Rio Doce, em Linhares, Messias Caliman, destaca que o comércio na região praticamente já não tem esses peixes. Já o delegado da Acaps, João Carlos Devens, afirma que, em geral os supermercados trabalham com fornecedores de fora do Estado.

Também nesta segunda-feira, foi lançado um edital para incentivar pesquisas para a recuperação do Rio Doce. Serão R$ 11,25 milhões dos governos do Espírito Santo, de Minas e da União.

FONTE: A GAZETA, disponível também aqui.

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