segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Um dos cenários do descobrimento do Brasil, paraíso está ameaçado

O repórter Thiago Guimarães, do Portal IG produziu também um texto sobre os problemas que nossa região enfrenta, e chama atenção tanto para as disputas entre sem-terra, índios, empresários europeus e brasileiros e conflitos entre governos, quanto pelos conflitos ambientais da exploração de petróleo na região do Banco dos Abrolhos. Vejam:


Um dos cenários do descobrimento do Brasil, paraíso está ameaçado

Disputa entre sem-terra, índios, empresários europeus e brasileiros e conflitos entre governos provocam caos na Costa das Baleias


Thiago Guimarães, iG Bahia

Conflitos fundiários, ambientais e políticos travam o desenvolvimento da região da Costa das Baleias, ainda um paraíso natural no extremo sul da Bahia. São, em suma, disputas por terra e recursos naturais, que expõem interesses econômicos divergentes e falta de entendimento entre órgãos públicos.


Foto: João Ramos/Bahiatursa
O jornalista italiano Carlo Casarsa, secretário de Turismo de Prado e amigo de Zico e Amoroso

Quem renova a história de conflitos na terra do descobrimento do Brasil são produtores rurais, assentados da reforma agrária, índios, políticos, servidores públicos, empresários locais e estrangeiros. Em um cenário de 200 km de praias, rios e mangues e que tem na privilegiada observação de baleias jubarte sua principal atração turística.

Na entrada de Prado, município de 27 mil habitantes e pólo da rota turística, o Palácio do Turismo está cercado por tapumes. A obra de R$ 1 milhão, que deveria reunir auditório, informações e comércio na antiga sede da prefeitura, tinha previsão de conclusão para o final de 2010, mas pouco avançou. O município diz que a União só liberou a primeira parcela – R$ 200 mil – dos recursos. Indício das dificuldades do turismo na cidade, que reúne 100 mil pessoas no verão e ainda busca alternativas para a baixa temporada.

Os lucros do turismo também parecem não alcançar a maior parte da população. “Em Prado ou você é servidor público ou pescador, porque boa parte do comércio é familiar e emprega pouco”, diz o promotor de Justiça Wallace Carvalho. O avanço da cultura do eucalipto na região desde os anos 80, incentivado pelo regime militar, reduziu o emprego rural e deslocou populações empobrecidas para áreas urbanas.

Empresários europeus mantêm negócios - terras, hotéis, condomínios, restaurantes - e são atores políticos importantes em Prado. “Falta integrar a população local ao desenvolvimento”, diz em português carregado de sotaque o italiano Carlo Casarsa, 59 anos, secretário de Turismo do prefeito Jonga Amaral (PCdoB) e jornalista esportivo conhecido em seu País – é amigo de jogadores brasileiros que por passaram por lá, como Zico e Amoroso. Em 1990, chegou a organizar em Udine, sua cidade natal, um amistoso entre a Seleção Brasileira e um combinado do resto do mundo. Atuou em campanhas políticas na Itália - como para o primeiro-ministro Silvio Berlusconi - e mantém um hotel-restaurante na cidade.


Aqui não vivemos em paz. Há uma vontade política de desestabilização, e estão ‘produzindo’ índios”, diz Casarsa
Há 20 anos na região e já com “baianês” no sotaque, o também italiano Enrico Pelletti, 50 anos, articulou prefeitos e reuniu-se com funcionários do ministério do Turismo no lobby pela reforma do aeroporto de Caravelas, cidade vizinha a Prado. A obra, iniciada neste ano, é a principal demanda e aposta de redenção para o trade turístico local.

Pelletti chegou a Prado em 1991. Hoje é dono de condomínio de 500 hectares, restaurante e barracas de praia pela cidade. Preside uma Oscip (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público) de promoção do turismo na Costa das Baleias e fala com desânimo da política local. “Faltam hotéis de grande porte”, lamenta. O empresário, que dirige uma BMW Motorsport de R$ 580 mil, diz ter fechado recentemente a venda de 69 hectares em Prado, com 1,6 quilômetro de praias, a dois grupos europeus – um ítalo-inglês e outro ítalo-luxemburguês. Os nomes não revela, diz, por sigilo contratual.

Problemas que Pelletti e Casarsa mantiveram com órgãos ambientais federais sugerem uma relação difícil com essas autarquias. O secretário foi multado em R$ 1.500 pelo ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) por ter levado sem autorização uma equipe de TV ao Parque Nacional do Monte Pascoal, em Porto Seguro. O condomínio de Pelletti soma multas ambientais e o empresário chegou a responder processo – e foi absolvido – pela acusação de ameaça de morte a um funcionário do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente).

Índios, assentados e europeus

Os dois empresários italianos compartilham opinião sobre o conflito indígena que afeta a região – agravado pela possibilidade de criação de mais uma terra indígena, a Cahy/Pequi, atualmente em estudo pela Funai (Fundação Nacional do Índio). “Aqui não vivemos em paz. Há uma vontade política de desestabilização, e estão ‘produzindo’ índios”, diz Casarsa. A disputa motivou a união de fazendeiros e assentados rurais - há seis projetos de reforma agrária no município - contra os índios, a exemplo do que ocorre na vizinha Porto Seguro, onde a expansão da terra indígena Barra Velha suscita tensões e alianças semelhantes.



Foto: Thiago Guimarães/iG Ampliar
Obra inacabada do Palácio do Turismo, em Prado

A falta de coordenação entre órgãos federais agrava a situação. Parte da área reivindicada pelos pataxós em Prado fica dentro do Parque Nacional do Descobrimento e, como em Barra Velha, Funai e ICMBio/Ibama também não entram em acordo quando terras indígenas se sobrepõem a unidades de conservação.“Isso (descoordenação) gera insegurança legal e proliferação de denúncias: fazendeiros e índios se acusam por derrubada e venda de madeira”, diz Ronaldo Oliveira, funcionário do ICMBio e chefe da Resex (Reserva Extrativista) Marinha de Corumbau. Órgãos fundiários e ambientais do Estado da Bahia praticamente inexistem na região e, portanto, pouco ajudam na resolução dos conflitos.

“Querem tirar os índios do parque e colocar em cima de nossas terras, sem pagar”, reclama o produtor rural Orcelino Spagnol, 64 anos. Hoje, proprietários rurais que têm terras identificadas como territórios indígenas recebem indenização apenas por benfeitorias existentes no imóvel - não recebem pela terra nua.

“Nossa luta (contra a terra indígena) é única”, diz Ézio de Oliveira, 61 anos, líder do PA (Projeto de Assentamento) Cumuruxatiba, criado em 1987 e cuja área é reivindicada pelos pataxós. O assentamento de 4.500 hectares, parte à beira-mar, é alvo de denúncias de venda de lotes da reforma agrária, crime previsto em lei. A Polícia Federal já abriu 45 inquéritos para apurar ocupação irregular de terras públicas no assentamento.

O Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), responsável pelo projeto de assentamento, diz ter vistoriado 146 dos 169 lotes do PA Cumuruxatiba, com 33 ações de reintegração de posse já ajuizadas, 11 ocupantes irregulares notificados e 102 apurações internas que podem motivar novas reintegrações. Procurada pela reportagem, a Funai informou apenas, via assessoria, que o processo da terra Cahy/Pequi está em estudos.


Abrolhos sob disputa

O conflito ambiental que mais repercute hoje na Costa das Baleias se desenrola justamente no berço das jubartes. Dá-se em Caravelas, cidade vizinha a Prado e entrada do Parque Nacional Marinho dos Abrolhos, refúgio das baleias jubarte que dão nome ao trecho da costa. Uma proibição de exploração de petróleo e gás no entorno do parque, uma das áreas de maior biodiversidade marinha do planeta, foi derrubada pela Justiça Federal no final de 2010. Moradores comentam que empresas com blocos de exploração na região já recrutam para o trabalho.



Foto: João Ramos/Bahiatursa
Turistas fotografam baleias em Abrolhos

Ambientalistas que vivem em Caravelas reconhecem que a promessa de empregos do petróleo atrai a população local. Mas insistem na afirmação de que a atividade colocará a área protegida sob risco – o Greenpeace, por exemplo, está em campanha pela “moratória” da exploração de petróleo na região.

A visitação em Abrolhos, que girava em torno de 15 mil pessoas no final dos anos 90, hoje está em 5.000 pessoas por ano. Das cinco empresas que operavam o passeio até o parque nacional, hoje apenas duas estão na ativa. O fechamento do aeroporto de Caravelas, em 2007, por falta de segurança, reforçou as dificuldades econômicas do destino. “As embarcações menores faliram, e falta ação municipal. O píer de Caravelas não tem luz e à noite vira ponto para uso de crack”, diz Eduardo Carmargo, gerente da ONG Conservação Internacional.

Em Prado, a política municipal é conturbada. Os grupos do prefeito Jonga Amaral (PCdoB) e o do ex-prefeito Wilson Brito (PP), hoje secretário de Desenvolvimento e Integração Regional do governo Jaques Wagner (PT), não se bicam. Há cerca de um ano, na campanha eleitoral, durante visita do então governador candidato à reeleição, correligionários dos políticos disputaram à tapa um espaço ao lado do aliado. A disputa chega ao turismo: o apoio da prefeitura ao principal evento gastronômico da cidade, que ocorre em outubro e é um dos principais atrativos da baixa temporada, não saiu porque um dos organizadores é ligado ao grupo do ex-prefeito.



Foto: João Ramos/Bahiatursa
Praia do distrito de Corumbau, em Prado, com o monte Pascoal ao fundo

O empresariado das cinco cidades da Costa das Baleias aposta suas fichas na reforma do aeroporto de Caravelas, iniciada neste ano pelo Exército e orçada em R$ 19 milhões em recursos federais. O terminal erguido pelos EUA durante a 2ª Guerra Mundial como base dos aliados está desativado desde 2007 – hoje o aeroporto mais próximo é o de Porto Seguro, a 210 km e 3h30 de carro de Prado pela movimentada BR-101.

O único consenso

Apesar da variedade de problemas e interesses econômicos na área - que incluem investimentos em grandes fazendas, incentivos ao plantio de eucalipto, especulação imobiliária e turismo -, todos convergem quando o assunto são as belezas naturais e o potencial turístico da Costa das Baleias. Resta definir os rumos do desenvolvimento, como aponta Oliveira, do ICMBio. “Descobriu-se o Brasil por aqui e a região ficou esquecida. É preciso que seja redescoberta novamente”, afirma.

FONTE: Jornal Último Segundo do Portal IG, aqui.

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