Costa do Espírito Santo e da Bahia abriga o maior banco de algas calcárias do mundo
Rodolito coletado em Abrolhos |
As águas mornas que banham a região de Abrolhos, no sul da Bahia, guardam o maior banco de algas calcárias do mundo. Em uma área de quase 21 mil quilômetros quadrados, semelhante à do estado de Alagoas, o fundo do oceano é rochoso. Está coberto por esferas duras de tamanhos variados – as maiores têm o diâmetro de uma bola de futebol de salão – e cores que vão do castanho ao rosa. Essas esferas são nódulos de calcário depositado por algas vermelhas de milímetros de comprimento que vivem em sua superfície. Também conhecidas como rodolitos, essas estruturas criam um ambiente com reentrâncias e saliências que servem de abrigo para peixes, crustáceos e invertebrados. Mapeado agora por pesquisadores brasileiros, o banco de rodolitos de Abrolhos se estende do norte do Espírito Santo ao sul da Bahia e produz 25 milhões de toneladas de calcário por ano ou 5% da produção global desse mineral, usado na agricultura, na indústria de cosméticos e até na medicina.
“Os rodolitos são chamados vulgarmente de rochas vivas por causa das algas que formam seu exterior”, conta Gilberto Menezes Amado Filho, biólogo do Instituto de Pesquisa Jardim Botânico do Rio de Janeiro, um dos autores do mapeamento publicado em abril na PLoS ONE. Junto com o calcário produzido por corais e moluscos com concha, eles contribuem para a formação do fundo do oceano. “Parte da plataforma continental brasileira é resultado de crescimento calcário ocorrido nos últimos 18 mil anos”, explica.
Com a aparência de seixos, que ganham ao rolarem arrastados por correntes marinhas, os rodolitos se formam pela aglomeração de pequenas algas que crescem umas sobre as outras ou incrustadas em fragmentos de concha ou grãos de areia. Eles aumentam de tamanho à medida que seu esqueleto, rico em carbonato de cálcio (CaCO3), mineraliza. Os rodolitos de Abrolhos têm em média 5,9 centímetros de diâmetro – os maiores chegam a 14 centímetros – e crescem pouco mais de um milímetro por ano. Foram encontrados a profundidades que variavam de 20 metros a 110 metros, com cerca de metade da superfície coberta por algas de uma ou mais espécies – em Abrolhos foram identificadas seis. Nesse trecho da costa, os rodolitos ocupam 70% do fundo marinho (o resto é sedimento) e, segundo as datações, os mais antigos têm por volta de 8 mil anos.
Sabia-se dos rodolitos do litoral brasileiro desde os anos 1970, mas não se imaginava que ocupassem tal extensão. Em projetos coordenados pelo Instituto Ocea-nográfico da Universidade de São Paulo (IO-USP), pela Conservação Internacional do Brasil e pela Universidade Federal do Espírito Santo, pesquisadores mapeavam o fundo do mar naquela região entre 2007 e 2011 quando perceberam estar diante de algo importante. “Na medida em que nos demos conta de estar diante de um grande banco de rodolitos, passamos a direcionar esforços para compreender a diversidade associada a eles e o papel funcional desse ecossistema”, conta Amado Filho.
Após o mapeamento por sonar, os pesquisadores usaram dois robôs submarinos para avaliar a distribuição, extensão, composição e estrutura do banco. “Usamos os robôs para analisar as áreas mais profundas e detalhar os pontos relevantes”, conta Paulo Sumida, do IO-USP. Numa terceira etapa foram realizados mergulhos para a coleta de exemplares e a realização de experimentos para estimar a produção de carbonato de cálcio.
Há bancos de rodolitos em todos os oceanos. Os mais extensos estão, além do Brasil, na costa do México e da Austrália. Eles são importantes para a vida de outros organismos por servir de abrigo e proporcionar um ambiente mais rico biologicamente do que um fundo de areia. “Eles funcionam como corredores entre recifes de corais, facilitando a migração de lagostas e peixes”, diz Amado Filho.
Do ponto de vista ambiental, os rodolitos têm ainda outra função importante: ajudam a retirar carbono da atmosfera, influenciando a regulação do clima do planeta. Eles absorvem o gás carbônico (CO2) diluído na água e o transformam em calcário, mas estão ameaçados pelas atividades humanas. A maior ameaça é o aumento da acidez do mar, consequência da elevação dos níveis de CO2 na atmosfera – em boa parte por queima de combustíveis fósseis. “Um terço do carbono emitido por atividades humanas e adicionado à atmosfera é absorvido pelos oceanos”, diz Amado Filho. “Estima-se que até o fim do século, o pH da água do mar diminua 0,4 unidade, tornando-a mais ácida. Estruturas carbonáticas de recifes, atóis e bancos de rodolitos serão dissolvidas.” Essa mudança também deve reduzir a calcificação dos organismos marinhos em 40%.
“Em geral os recifes de corais concentram as atenções, mas agora se sabe que o Brasil tem essas outras fábricas de carbonato de cálcio de vital importância para a biodiversidade marinha”, comenta o biólogo Jason Hall-Spencer, da Universidade de Plymouth, Inglaterra. “Essas algas coralinas estão entre os organismos calcificantes que parecem mais sensíveis à acidificação dos oceanos.”
Outra ameaça aos rodolitos de Abrolhos é a exploração econômica do calcário. Como são fáceis de coletar, há empresas que os usam como fonte do mineral. Além de calcário, eles contêm quantidades variáveis de outros elementos químicos (ferro, manganês, bromo, níquel, cobre, zinco e molibdênio) usados na agricultura, nas indústrias dietética e de cosméticos, na nutrição animal e no tratamento da água.
“Os rodolitos estão em águas rasas, com 20 a 110 metros de profundidade, e têm um formato que facilita a extração em grande escala”, diz Rodrigo Leão de Moura, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que participou do levantamento. “Além disso, são sensíveis à qualidade da água do mar, que vem sendo afetada pelo mau estado de conservação das bacias hidrográficas”, acrescenta. Embora tenham uma parte viva, os rodolitos não são recursos renováveis. “São necessários milhares de anos para os rodolitos se formarem e criarem um banco expressivo como o recém-descoberto”, explica Moura. Ante essas ameaças, os pesquisadores afirmam que é preciso aumentar a proteção com a criação de áreas protegidas, a recuperação das margens dos rios e o controle de efluentes. “Dos 46 mil quilômetros quadrados do banco de Abrolhos”, alerta Sumida, “só 2% estão protegidos por unidades de conservação”.
Artigo científico
AMADO-FILHO, G.M.; MOURA, L. R. et al. Rhodolith beds are major CaCO3 bio-factories in the tropical south west Atlantic. PLoS ONE. v. 7(4). abr. 2012.
FONTE: Daqui.
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