Peixe budião-azul, predador de algas que sufocam corais, corre risco de extinção. Sem ele, especialistas alertam para “desertificação marinha”.
Um deserto marinho. Esse pode ser o futuro dos recifes de corais no Brasil se os ecossistemas não forem preservados. O alerta é feito por especialistas que veem na pesca predatória do budião-azul e na poluição os principais desafios a serem enfrentados para manter boas condições de vida no mar.
Abaixo da superfície da água existe muito mais vida do que se pensa, conforme explica a geóloga marinha Zelinda Leão. “Recifes de corais são os maiores ecossistemas e as áreas de maior biodiversidade nos mares. Pode-se comparar à Mata Atlântica”, afirma.
Apesar de ser um ambiente tão rico de formas de vida diferentes e essencial para a sobrevivência de comunidades de pescadores, os recifes estão sob séria ameaça. “Eles ficam muito perto da costa e estão em risco por causa principalmente da poluição e do turismo desordenado”, aponta. Segundo a pesquisadora, monitoramentos anuais são realizados desde 2000 na costa da Bahia e mostram que em alguns locais houve desaparecimento de espécies. No entanto, a diversidade e o percentual de corais vivos não tiveram grande alteração negativa.
Neste caso, até um fenômeno natural atrapalha. Em 2003 houve mortalidade de corais no Brasil devido ao aumento da temperatura da água causado pelo el niño no Atlântico. “Felizmente eles se recuperaram. Outros recifes ameaçados, em Pernambuco, Paraíba e Alagoas também vêm resistindo”, completa Zelinda.
Mas além da poluição, existe ainda outro problema grave que afeta de maneira significativa a vida dos corais, a pesca predatória do peixe budião-azul. A bióloga Marília Previero, explica a relação: “Ele é um peixe importante porque se alimenta de algas que crescem nos corais. Sem o budião-azul, elas crescem muito, sufocam e matam o coral.”
Hoje, pesquisadores se dedicam a conhecer o ciclo de vida do budião-azul de forma precisa para controlar sua pesca e minimizar o impacto sobre os corais. Esse é o tipo de budião mais ameaçado no mundo, segundo Marília, devido à intensificação de sua pesca nas últimas décadas. O Parque Nacional Marinho (Parnam) dos Abrolhos, na Bahia, que abriga o maior complexo recifal do Atlântico Sul, é um dos ambientes preferidos da espécie. E dos estudiosos.
“Estudamos reprodução, época e locais, crescimento, quantos anos vivem e com quantos anos começam a se reproduzir, alimentação. Com essas informações, a gente pretende criar opções de manejo pesqueiro do budião-azul”, conta Marília. Ela ressalta, porém, que não se pode impor regras aos pescadores. É preciso trabalhar em conjunto. “O conhecimento tradicional deles é muito importante também. Não temos intenção de fechar a pesca de cima para baixo. A ideia é fazer medidas de gestão das espécies junto com os pescadores. Eles vivem disso há décadas, então não podemos deixá-los de fora”, garante a cientista.
Ricardo Jerozolimski, chefe do Parnam dos Abrolhos, afirma que é preciso ampliar as áreas de proteção ambiental marinhas. “O parque protege só 2% do banco de corais dos Abrolhos. Com novas unidades de conservação, facilita trabalhar a gestão dessas áreas, os planos de manejo e tanto a fiscalização como a pesquisa”, justifica.
Uma grande preocupação hoje para a região dos Abrolhos é a ameaça da extração de petróleo. Não há blocos de exploração dentro do parque, mas a proximidade entre eles é perigosa. E os outros 98% dos recifes não protegidos estão expostos. “A gente se preocupa muito com essa questão porque pode causar impactos. É uma ameaça muito grande para a biodiversidade. Ampliar a proteção é uma forma de controlar melhor essa atividade”, defende o engenheiro florestal.
Para melhorar a proteção dos corais, Jerozolimski pede mais investimentos: “Melhor maneira é trabalhar na ampliação das áreas, fornecendo efetivos para conservação, como recursos humanos, estrutura, equipamentos.”
Zelinda Leão também acredita que seja preciso ampliar as unidades de conservação no arquipélago. “Toda a costa tropical tem recifes. É muita coisa que a gente não conhece, e a pesca é muito intensa. Já estão se pescando peixes que antigamente não se comiam, como é o caso dos budiões”, comenta.
A solução que Zelinda apresenta é radical. “Deve-se aumentar o número de áreas fechadas. Não pode pesca nem turismo, só pesquisa. Já existem em Pernambuco e na Bahia. Áreas fechadas são importantes porque elas ajudam a repovoar as outras”, afirma.
Já Marília Previero defende um rigor maior na fiscalização, para fins de conhecimento exato da atividade pesqueira. “O monitoramento dos desembarques é extremamente importante para as pesquisas. Temos grande dificuldade em avaliar a abundância das populações ao longo do tempo porque não se tem ideia de quanto era pescado de cada espécie há 50 ou há dez anos. O monitoramento na região é muito falho”, critica.
Mas se o presente dos bancos de corais é cheio de desafios, o futuro pode ser bom. Pelo menos o chefe do Parnam dos Abrolhos pensa assim. “Sou otimista, acredito em um bom futuro para os Abrolhos, mas acho que a sociedade tem o importante papel de cobrar das instituições”, conclui.
FONTE: Disponível aqui.
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